A organização não-governamental angolana Omunga defendeu hoje que é preciso “repensar seriamente” o modo de escolha dos titulares de cargos na justiça, que nos últimos dias enfrenta uma crise. Embora, segundo o Presidente (não nominalmente eleito), não exista crise, talvez fosse mesmo aconselhável repensar (que o MPLA traduz como dar penso, comida) a questão…
Em comunicado, a Omunga diz que “talvez tenha chegado o momento de se repensar, seriamente, sobre o modo de provimento dos titulares destes cargos, sob pena de ciclicamente sermos brindados com esta vergonha nacional”.
No documento, a Omunga realça que “é com enorme tristeza e preocupação que se assiste à balbúrdia que se instalou na cúpula de um dos referidos órgãos de soberania: tribunais”. “Balbúrdia” é uma forma simpática de se falar de banzé no prostíbulo.
A organização, que se refere aos casos que envolvem o presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, e a ex-presidente do Tribunal de Contas, Exalgina Gambôa, salienta que “o Presidente da República tem a obrigação e o dever constitucional de garantir a estabilidade dos referidos órgãos”.
Errado. A única obrigação que a Constituição em vigor (não a do país mas o do MPLA) exige ao proprietário do reino é fazer o que ele bem entender.
“Neste contexto, coloca-se um assento tónico na falta de coragem do Presidente da República em admitir de uma vez por todas a crise institucional a nível do sistema judiciário angolano”, realça-se na nota.
Novo erro da Omunga. Como é que o general João Lourenço (conhecido pela sua coragem militar em ser forte com os fracos e muito fraquinho com os fortes) poderá alguma vez admitir o que não existe no reino? Crise institucional? Crise no sistema político? Crise nas regras de um Estado de Direito? Nada disso. Só o que existe pode estar em crise.
Na semana passada, o Presidente do MPLA, João Lourenço, desvalorizou numa entrevista à rádio francesa RFI a situação que se vive nestes dois tribunais, em que os seus presidentes são acusados do envolvimento em supostos casos de corrupção, peculato, tráfico de influência, entre outros.
“Uma crise institucional no país é muito forte dizer isso, forte demais”, disse João Lourenço. E disse, é claro, muito bem. Então corrupção, peculato, tráfico de influência, entre outros, não são as marcas identitárias do MPLA? Querem agora que o MPLA deixe de ser o que sempre foi? Francamente!
Para a Omunga, “a crença já é precária” sobre as instituições judiciais, que “parece estar definitivamente predestinada ao fracasso”.
“O imbróglio que se vive hoje nos tribunais é uma vergonha nacional”, sublinha a Omunga no seu comunicado, considerando que, “sendo os tribunais o garante da democracia e da realização dos direitos e liberdades fundamentais do Estado, é crucial que não sejam frequentemente associados a actos de corrupção, sobretudo, quando praticados por quem tem o dever, por lei, de garantir o seu normal funcionamento”.
A ex-presidente do Tribunal de Contas foi constituída arguida por crimes de extorsão, peculato e corrupção, num processo onde consta também o seu filho Hailé Vicente da Cruz, igualmente arguido.
Na semana passada, João Lourenço anunciou que convidou Exalgina Gambôa a renunciar ao cargo em 21 de Fevereiro, devido a várias “ocorrências” que a envolviam, mas a juíza só se demitiu dois dias depois, após ter pedido jubilação antecipada e ter sido constituída arguida.
Relativamente ao presidente do Tribunal Supremo, o chefe de Estado (que é quem manda em tudo e em todos) admitiu na entrevista à RFI que decorrem investigações sobre as acusações a Joel Leonardo, que “o Ministério Público está a fazer o seu trabalho”, mas considerou que “enquanto não apurar nada de concreto não se podem cometer injustiças”.
“Fala-se também do Tribunal Supremo, mas com relação ao Tribunal Supremo devo dizer que, do que é do meu conhecimento, há alegações de eventuais crimes, mas que por enquanto nada prova o envolvimento, até agora, do venerando juiz presidente do mesmo tribunal e nós não podemos agir, nem eu enquanto chefe de Estado e muito menos o Ministério Público, não pode agir apenas com base no que se diz nas redes sociais”, referiu o general João Lourenço.
Justiça procura-se há muitos, muitos anos
Por uma questão de memória, recorde-se (entre muitos outros exemplos) que os deputados angolanos das bancadas da oposição que o MPLA ainda permite defenderam no dia 14 de Janeiro de 2021 que a justiça tinha de estar acima dos partidos e dos interesses particulares dos juízes, para que os tribunais merecessem a confiança dos cidadãos, admitindo que eram necessárias reformas.
Nesse dia o Folha 8 escreveu que quando, e se, isso acontecer será o fim do MPLA porque Angola passará a ser o que ainda não é: um Estado de Direito Democrático.
A Assembleia Nacional realizou nesse dia a primeira sessão plenária de 2021, debatendo quatro diplomas relacionados com o sector da justiça, relativos ao funcionamento do tribunal constitucional, lei do processo constitucional, normas do Código do Processo Civil e Penal e relativas às custas judiciais.
Antes da apreciação dos diplomas, os deputados apresentam as suas declarações políticas focando as debilidades da justiça que, como se sabe, não é de Angola mas – isso som – do partido que há 47 anos é dono do país.
Na sua declaração política, que começou dirigindo-se a “todos os jovens que são julgados injustamente por exercer os seus direitos”, num dia em que o debate se centrava na área da Justiça, a vice-presidente da UNITA, Mihaela Webba, assinalou que o funcionamento das instituições não pode ser prejudicado por interesses político-partidários.
Poder… pode. Basta ver o que se passa. Não deve. Mas por alguma razão o partido de João Lourenço diz que o MPLA é Angola e que Angola é (d)o MPLA, anotou o Folha 8.
“Temos de colocar o superior interesse dos angolanos acima dos interesses dos nossos partidos políticos”, frisou a parlamentar do maior partido da oposição (que o MPLA ainda permite), apontando um retrocesso do Estado de Direito nos últimos 12 meses, “com repressões dos direitos constitucionais dos angolanos, nomeadamente, o direito à vida, à integridade física, à habitação, à manifestação e à liberdade de expressão”.
Neste aspecto refira-se a existência de um conflito estrutural sobre quem é, não tanto de facto mas sobretudo de jure, considerado Angolano. E como todos sabemos, para ser angolano de pleno direito é preciso ter nascido no… MPLA, escrevemos nós.
Sobre a aprovação dos dois diplomas relacionados com o Tribunal Constitucional, lamentou a degradação da imagem dos tribunais superiores, particularmente do Tribunal Supremo e do Tribunal Constitucional “por causa dos interesses particulares dos juízes conselheiros na Comissão Nacional Eleitoral, ao ponto de o presidente do Tribunal Supremo ter prestado falsas declarações a este Parlamento, para permitir a tomada de posse do Dr. Manuel Pereira da Silva” (“Manico”), que a UNITA sempre rejeitou.
“Os angolanos não podem permitir que se use o Estado partidário sem limites na competição política por intermédio do poder judicial e do sistema bancário e por via deste comportamento não termos a garantia de eleições livres, justas, transparentes e credíveis”, criticou a deputada da UNITA.
Para Mihaela Webba, os jovens encaram a classe política com desconfiança “porque não existe no país uma agenda de consenso que permita uma reforma verdadeira do Estado e das instituições”, que não promovem a justiça e a reconciliação nacional, considerou.
“Essa Angola de direitos, liberdades e garantias e direitos económicos, sociais e culturais para todos os seus filhos, que é vontade da larga maioria dos cidadãos angolanos, só será possível se as instituições da justiça, forem justas; se a Comissão Nacional Eleitoral e o Tribunal Constitucional enquanto órgãos organizadores das eleições cumprirem com o que está estabelecido na Constituição e na lei, e não subvertam a Justiça e o Direito”, reivindicou.
Na mesma altura o presidente da CASA-CE (Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral), Alexandre Sebastião André, fez um balanço negativo do ano anterior e criticou os que “criaram fortunas” (recorde-se que o MPLA é o partido que mais milionários tem por metro quadrado) em detrimento dos demais cidadãos angolanos.
Sobre os diplomas em discussão, considerou importante adequar os instrumentos jurídicos às novas realidades, mas mostrou-se contra a inserção de normas que “ferem o direito da Constituição”, como a faculdade de juízes serem advogados em causas próprias, de parentes e de famílias directos.
O Folha 8 acrescentou que ser juiz em causa própria está na matriz do MPLA, tal como está a que remonta a Agostinho Neto em que se determinou não perder tempo com julgamentos (caso 27 de Maio de 1977).
O presidente da FNLA, Lucas Ngonda, saudou a pertinência de o executivo trazer os dois diplomas à assembleia, sublinhando “as fraquezas sobre o funcionamento do sistema de justiça” em Angola e destacou que as decisões do Tribunal Constitucional podem “ser uma fonte de desequilíbrio da harmonia social” do sistema social.
O deputado afirmou que as instituições de Justiça devem inspirar a confiança dos cidadãos e que estes se devem rever nas suas decisões.
“As disputas que verificamos entre o Tribunal Constitucional e outras entidades que solicitam a sua intervenção para dirimir conflitos ou conformar situações não enobrece a missão nobre dos nossos tribunais, como instâncias que devem representar a imagem de Angola”, acrescentou.
O deputado Benedito Daniel, presidente do Partido de Renovação Social (PRS), sustentou que as leis actuais relativas à orgânica do Tribunal Constitucional e do Processo Constitucional, já não respondem cabalmente à jurisdição constitucional actual, sendo necessário fazer um ajustamento da organização e funcionamento do tribunal de forma a torná-lo mais eficaz e funcional.
Benedito Daniel notou, por outro lado, que embora a Constituição angolana preveja o acesso de todos os cidadãos à Justiça, nem todos conseguem aceder aos tribunais, por falta de meios para pagar custas processuais e advogados, defendendo que as taxas e os preços a pagar não devem ser tão elevados.
Por sua vez o presidente do grupo parlamentar do MPLA (partido que comprou o país em 1975 e que desde então exerce o poder como partido único), Américo Cuononoca, frisou que as reformas “visam atingir o bem estar dos angolanos, por via de uma justiça célere, actuante e que preserve a dignidade da pessoa humana”. E frisou bem já que se limitou a reproduzir as ordens superiores do seu actual Presidente.
Sobre as custas judiciais, considerou que a Justiça deve contribuir para as receitas fiscais, garantindo assim mais recursos para o Estado, havendo actualização das taxas, isenção ou adequação conforme as situações.
Quanto ao resto, Américo Cuononoca manteve a “leitura” do recado que recebeu, conhecida que é a sua formação em ventriloquia. E quem dá o que tem a mais não deve ser obrigado. Já basta “vê-lo” a descalçar-se quando tem de contar até 12…
Folha 8 com Lusa